Receita restringe ainda mais o IRRF de Estados e Municípios
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Em julho de 2015 comentamos no blog da Open Treinamentos acerca de uma consulta com efeito vinculante publicada pela Secretaria da Receita Federal que nos deixou perplexos. Ela dizia respeito à interpretação dada pelo órgão fiscalizador acerca da retenção do Imposto de Renda realizada por Estados e Municípios.
Os artigos 157 e 158 da Constituição Federal asseguram a tais entes públicos o direito de se apropriarem do IRRF nos pagamentos de rendimentos efetuados pelos seus órgãos, autarquias e fundações.
Ocorre que, mais de 26 anos após a promulgação da Carta Constitucional, a Receita Federal tornou pública a interpretação de que o IRRF descontado por Estados e Municípios nos pagamentos a pessoas jurídicas não deve ser apropriado pelos respectivos entes, mas recolhido aos cofres da União.
Na Solução de Consulta Cosit nº 166/2015 a justificativa para adoção do entendimento estava baseada em interpretação nitidamente equivocada. A Receita Federal afirmou que apenas o IRRF nos pagamentos a pessoas físicas deveria ser apropriado pelo Estado ou Município, já que a CF/88 se referia à expressão “rendimentos”, que não se aplica às receitas obtidas por pessoas jurídicas.
Agora em 2016 uma nova decisão do órgão restringe ainda mais o direito dos Estados, Distrito Federal e Municípios, pois interpreta com maior rigor o texto constitucional. Trata-se da Solução de Consulta Cosit nº 139/2016, cuja ementa contém a seguinte conclusão, dentre outras:
“Pertence aos Estados o produto da arrecadação do Imposto sobre a Renda incidente na fonte sobre rendimentos por eles pagos a seus servidores e empregados. Não pertence aos Estados o produto da arrecadação de Imposto sobre a Renda incidente na fonte sobre rendimentos outros por eles pagos a pessoas físicas ou jurídicas, que não os pagos a seus servidores e empregados. Esse entendimento produz efeitos retroativos, nos termos do Parecer Normativo Cosit nº 5, de 1994.”
Entendemos que a interpretação de ambas respostas está completamente equivocada por várias razões. A primeira delas diz respeito à falta de observância de uma regra básica de interpretação de leis segundo a qual “onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo”. Isso significa que, se a Constituição Federal de 1988 afirma que a retenção do Imposto de Renda pertence ao Estado ou ao Município nos pagamentos de rendimentos efetuados por seus órgãos, autarquias ou fundações, não pode o intérprete presumir que a expressão “rendimentos” se restringe tão somente aos pagamentos às pessoas físicas.
Se fosse intenção do legislador constitucional distinguir a natureza do rendimento seria necessário inserir no texto da lei restrição explícita nesse sentido. Porém a Receita Federal, fazendo menção ao Parecer PGFN/CAT nº 276, de 28 de fevereiro de 2014, que também interpreta a expressão rendimentos de forma restrita, entende se aplicar a apropriação do IRRF aos Estados e Municípios apenas àquilo que é pago à pessoa física.
Outro argumento importante é que, ao examinarmos o Regulamento do Imposto de Renda – RIR/99 (Decreto nº 3.000/99), verificamos que a expressão rendimento é utilizada por diversas vezes na parte do texto que trata da tributação das pessoas jurídicas. Vejamos a título de exemplo o teor do seu art. 218:
“Art. 218. O imposto de renda das pessoas jurídicas, inclusive das equiparadas, das sociedades civis em geral e das sociedades cooperativas em relação aos resultados obtidos nas operações ou atividades estranhas à sua finalidade, será devido à medida em que os rendimentos, ganhos e lucros forem sendo auferidos (Lei nº 8.981, de 1995, art. 25, e Lei nº 9.430, de 1996, arts. 1º e 55).” (Grifamos)
Na nova solução de consulta a RFB vai além e invoca o texto do art. 85, II, do Código Tributário Nacional, segundo o qual pertencem aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, “o produto da arrecadação, na fonte, do imposto a que se refere o artigo 43, incidente sobre a renda das obrigações de sua dívida pública e sobre os proventos dos seus servidores e dos de suas autarquias“. (Grifamos)
A partir daí, um novo parecer da PGFN quer concluir que a retenção de que trata os arts. 157 e 158 da CF/88 deve se restringir aos limites da disposição do CTN que, além de anterior à atual Carta Magna, ainda consta de norma hierarquicamente inferior.
Trata se portanto de interpretação equivocada que esperamos que seja retificada pelo órgão fiscalizador, embora estejamos cada vez mais desesperançosos quanto a isso. Muito provavelmente a questão será decidida em definitivo nos tribunais.
Ainda mais que, segundo a RFB, a retenção efetuada nos últimos anos nos pagamentos a pessoas jurídicas foi indevida e os Estados e Municípios têm que restituir à União o que lhe foi subtraído indevidamente, o que representaria um débito bastante expressivo para ser enfrentado no atual contexto de crise.
V GTAP 2019: Congresso Brasileiro de Gestão Tributária na Administração Pública
promover o debate de temas relacionados ao cumprimento de obrigações tributárias por parte dos órgãos e empresas dos diversos níveis de governo
As questões discutidas têm como pano de fundo aspectos relacionados com a complexa legislação tributária vigente no Brasil