Receita Federal quer obrigar empresas a pagar pro labore

por | 19 set, 2016 | Comentários | 0 Comentários

Muita gente já nos questionou sobre a obrigatoriedade ou não de uma sociedade pagar pro labore para o seus respectivos sócios.

Isso porque a legislação previdenciária dispõe que o sócio de sociedade se torna contribuinte individual obrigatório da Previdência Social na hipótese de receber remuneração decorrente do trabalho.

Ocorre que, na realidade atual, muitas pessoas jurídicas são constituídas com o objetivo de proporcionar aos seus respectivos sócios, especialmente na área de prestação de serviços, a oportunidade de desenvolver suas atividades com a tributação mais favorecida, saindo da incidência do Imposto de Renda pela Tabela Progressiva. E para isso, muitos empresários pagam seus tributos na pessoa jurídica, não efetuam retirada pro labore, e distribuem o lucro do negócio para a pessoa física sem a incidência do IR e da Contribuição Previdenciária (INSS). É que a legislação considera tais rendimentos isentos para fins de incidência de ambos os tributos.

Em agosto de 2016, a Receita Federal publicou uma solução de consulta com efeito vinculante em que enfrentou essa questão, que foi apresentada por um escritório de advocacia. Era pretensão da referida sociedade pagar aos seus sócios apenas e tão somente distribuição de lucros, reduzindo a zero o valor pago a título de retirada por labore.

O escritório indagou ao órgão se havia disposição legal determinando que a pessoa jurídica obrigatoriamente deva pagar pro labore aos seus sócios. Na resposta apresentada na Solução de Consulta Cosit nº 120/2016 a RFB apresenta argumentos bastante frágeis para concluir que parte da remuneração paga aos sócios deve ser tratada como retirada pro labore, não se admitindo, salvo excepcional situação de dificuldade financeira, que toda a remuneração repassada aos proprietários da pessoa jurídica seja tratada como distribuição de lucros, ainda que exista escrituração contábil regular que evidencie a existência do resultado positivo. Vejamos trecho da referida Solução de Consulta:

“Pelo menos parte dos valores pagos pela sociedade ao sócio que presta serviço à sociedade terá necessariamente natureza jurídica de retribuição pelo trabalho, sujeita à incidência de contribuição previdenciária (…)”

Com a devida vênia, entendemos que o órgão fiscalizador cometeu um grande equívoco ao tentar transformar em lei aquilo que, do ponto de vista político, pode até ter razões plausíveis para se entender como justo.

Aliás, justiça é algo que não necessariamente está associado a legalidade, especialmente quando se trata de tributação, e mais ainda num país como o Brasil.

Inúmeros são os casos em que o contribuinte pleiteia determinado tratamento alegando ser a forma mais justa de ser tratado pela legislação tributária, mas baseado na própria lei tem a sua alegação negada pelo Estado, que se aferra às normas e não ao conceito de justiça para exercer sua atividade de arrecadação.

É justo, por exemplo, que determinada pessoa que arca com despesas com educação muito superiores ao limite estabelecido pela legislação do Imposto de Renda tenha o direito de deduzir o montante integral gasto consigo e com seus dependentes. Entretanto, a regra legal limita tal dedução. Se o contribuinte questiona ao Fisco a possibilidade de flexibilizar essa regra, a resposta é negativa simplesmente pela existência de lei, que nesse caso deve ser respeitada pelo Estado e pelo contribuinte.

Idêntica orientação deveria se adotar quando a situação se inverte, ou seja, quando o contribuinte questiona sobre a legalidade de determinado procedimento e a RFB não apresenta o dispositivo normativo que impõe tal tratamento. Por mais que haja razões de ordem política para se adotar determinada orientação, vivemos num sistema em que o império da lei se justifica pela necessidade de dar segurança jurídica a todos que estão inseridos no mesmo contexto social. Dessa forma, podemos dizer que, não por outra razão, no estado democrático de direito, o princípio da legalidade ressai como uma garantia fundamental do cidadão, seja para submetê-lo ao império da lei (que restringe determinado exercício de sua liberdade), seja para limitar a atuação do Estado na consecução das suas atividades cotidianas.

Não se pode considerar, por exemplo, que a retirada pro labore, cuja fixação está no âmbito da livre vontade dos sócios de determinada pessoa jurídica, tenha que observar um patamar mínimo. Não há regra legal que assim determine. Ao contrário, a legislação civil consagra a autonomia da pessoa jurídica como princípio fundamental de direito privado, não podendo tal postulado subverter outras regras legais ou princípios que manifestamente estejam contrários ao que for deliberado pelos sócios. Entretanto, nada há de ilegal, tampouco de violência contra os princípios que regem o nosso sistema jurídico, se a sociedade decidir por consenso dos seus proprietários nada pagar a título de pro labore.

Não estamos afirmando que a distribuição de lucros possa acontecer de forma irregular, sem a observância dos critérios constantes da legislação. Estamos defendendo que, se tais diretrizes forem respeitadas, não há proibição legal à remuneração do sócio exclusivamente sob a forma de distribuição de lucros.

Portanto, discordamos veementemente da orientação deduzida na Solução de Consulta Cosit nº 120/2016 e ficamos na expectativa de que haja reforma do entendimento, inclusive por falta de supedâneo legal para embasar a conclusão ali apresentada.

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