Receita nega restituições de PIS/COFINS – A chamada “tese do século” que permitiu excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e do Cofins, gerou bilhões de reais em créditos fiscais para as empresas, mas algumas delas estão tendo problemas com a Receita Federal. Restituições e compensações têm sido negadas. Advogados dizem que isso vem acontecendo com um grupo específico de contribuintes e se deve à forma como foram feitos os pagamentos que deram origem aos créditos fiscais. Os prejuízos, nesses casos, estão na casa dos milhões de reais.

Quem recolhe PIS e Cofins pelo regime não cumulativo – praticamente todas as grandes empresas – nem sempre precisa tirar dinheiro do bolso para quitar os tributos com o Governo Federal.

A apuração do PIS e do Cofins envolve um sistema de crédito e débito. Para calcular quanto deve, o contribuinte precisa separar as notas de saída, referentes às vendas realizadas no mês, e das notas de entrada, que contêm o custo de aquisição de produtos e que dão direito a crédito. É feito um encontro de contas desses dois grupos de notas e sobre o resultado aplica-se a alíquota. Se a empresa acumulou mais crédito do que débito ela não vai precisar desembolsar nada no mês. Além disso, se sobrar crédito, acumula e pode ser usado no cálculo dos tributos do mês seguinte.

Por outro lado, se a empresa teve mais débito do que crédito, ela precisa tirar dinheiro do bolso para estar em dia com os pagamentos de PIS e Cofins. Esse crédito de apuração é chamado de escritural e não cabe atualização monetária.

A inclusão do ICMS no cálculo do PIS e da Cofins – exigida pelo governo antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir de forma contrária – deixava o volume de débitos maior. As empresas, então, precisavam usar mais créditos escriturais do que deveriam para a quitação dos tributos ou teriam que pagar mais em dinheiro. Nas duas situações, portanto, elas foram afetadas pela “tese do século” e têm o direito de reaver o que repassaram ao governo de maneira indevida.

A Receita Federal entende, porém, que existe diferença de tratamento para a devolução dos valores. É aqui que está o problema. Quem tirou dinheiro do bolso e pagou tributo a mais ao governo tem o direito de receber o que pagou a mais por meio de restituição ou compensação. Mas quem não desembolsou nada – por ter acumulado mais crédito do que débito na apuração – não teve um “indébito”, na visão da Receita Federal, mas somente um aumento do saldo de créditos escriturais – que serve apenas para calcular os próprios PIS e Cofins. Não há, portanto, direito à restituição nem compensação com qualquer tributo federal. Vem daí as negativas.

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“Temos clientes em que isso aconteceu isoladamente. Só em alguns meses de todo o período contabilizado não foi feito desembolso. E temos clientes em que isso aconteceu na maior parte do período”, diz Priscila Faricelli, do escritório Demarest.

Além de a devolução, pelo governo federal, ficar bastante restrita – só para pagamentos dos próprios PIS e Cofins – há, nesses casos, uma redução da quantia que o contribuinte acreditava ter direito. Os advogados Rafael Vega e Gabriel Baccarini, do escritório Cascione, chamam a atenção, por exemplo, que sendo crédito escritural não cabe atualização monetária.

“E, em relação à tese do século, pode fazer bastante diferença no volume porque as ações são muito antigas. Existem contribuintes que têm o direito de receber desde o começo dos anos 2000. Sem correção, vale o crédito original, o que ele compensou a mais naquela época”, frisa Vega.

O advogado Felipe Maia, sócio do escritório Azevedo Maia Advogados, tem pelo menos dois clientes com esse problema. Um deles tentava a restituição dos valores referentes à “tese do século” na Justiça quando recebeu a negativa da Receita Federal. O contribuinte entende ter direito a R$ 45 milhões, mas o Fisco afirma que ele deve receber R$ 13 milhões – todo o restante seria saldo de crédito escritural. Em documento anexado ao processo, a Receita Federal afirma que as decisões judiciais que garantiram ao contribuinte o direito de receber de volta o que pagou, mais por incluir o ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, “não se manifestaram sobre a utilização do crédito escritural a maior”. “Entendo que essa ausência de manifestação não permite a participação deste crédito escritural a maior na apuração do crédito proveniente deste mandado de segurança”, diz o documento assinado por um auditor fiscal. Esse caso tramita no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), com sede em São Paulo. O juiz abriu prazo para que a empresa se manifeste. Ainda não há uma decisão.

No outro caso em que o advogado Felipe Maia atua, o contribuinte calcula ter cerca de R$ 200 milhões a receber em créditos fiscais. Só que cerca de R$ 45 milhões desse total seriam saldo de crédito escritural. Em relação às compensações, situação em que a empresa calculou quanto deve receber do governo e habilitou o valor no sistema da Receita Federal, dizem advogados, tem se verificado duas situações. Uma é menos “perigosa”. O contribuinte fez a habilitação, mas antes de compensar, o órgão iniciou um procedimento de fiscalização – travando o uso dos créditos – e avisou que dentro do total informado havia valores referentes a créditos escriturais e que essa parcela, especificamente, não poderia ser utilizada. A outra situação, no entanto, envolve o contribuinte que não passou por essa fiscalização prévia e fez a compensação.

A Receita Federal tem prazo de até cinco anos para dizer se a operação estava ou não correta. E, aqui, o prejuízo pode ser grande. Quando a Receita Federal entende que a compensação foi feita de forma indevida, o tributo pago com o crédito fica em aberto e tem de ser quitado com correção. O contribuinte, além disso, recebe uma multa de 20%. Outra consequência é que o crédito escritural pode se perder nesse meio tempo. Há prazo de cinco anos, a partir da decisão que garantiu a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e do Cofins, para que o contribuinte utilize o saldo credor. Para o advogado Felipe Maia, no entanto, existe saída para os contribuintes. Desde a publicação da Instrução Normativa nº 1.300, publicada em 2012 pela própria Receita Federal, a devolução de crédito decorrente de ação judicial passou a ser realizada exclusivamente por precatório ou mediante compensação administrativa”, ele diz. Maia acrescenta que esse entendimento é aplicável ao ressarcimento de créditos de IPI, de PIS e Cofins, e também ao reembolso de cotas de salário-família e salário-maternidade, “sempre que essas espécies de restituição forem objeto de ações judiciais que, depois de encerradas, conferem ao contribuinte um título executivo judicial”. “Além disso, outra forma de pagamento poderia infringir o artigo 100 da Constituição Federal, que reconhece o crédito por intermédio de título judicial”, frisa o advogado.

O Valor procurou a Receita Federal e também a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para tratar sobre o tema, mas nenhum dos dois órgãos deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico

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Sobre o autor:

Alexandre Marques

Advogado, contabilista, pós-graduado em Advocacia Tributária e Direito Processual Civil, CEO da Open Soluções Tributárias e do sistema web Gestão Tributária (www.gestaotributaria.com.br), sócio do escritório Damasceno & Marques Advocacia, autor do livro Gestão Tributária de Contratos e Convênios (9ª edição) e co-autor de outras obras.

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